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Frases Eternas

Filósofos & Poetas

domingo, 25 de novembro de 2007

X
Seria um magnífico espetáculo poder ver a alma. A máxima Conhece-te a ti mesmo é um excelente preceito, mas preceito que só Deus pode praticar; pois, que mortal pode compreender sua própria essência?
Chamamos alma ao que anima; porém não podemos saber mais dela, porque nossa inteligência tem limites. As três quartas partes do gênero humano não se ocupam disto; e a quarta busca, inquire, porém não encontrou nem encontrará. O homem vê uma planta que vegeta, e disse que tem alma vegetativa; observa que os corpos têm e dão movimento, e a isto chama força: vê que seu cão de caça aprende o ofício, e supõe que tem alma sensitiva, instinto; tem idéias combinadas, e a esta combinação chama espírito. Porém que entendes tu por essas palavras? Indubitavelmente a flor vegeta; porém existe realmente um ser que se chame vegetação? Um corpo rechaça a outro, porém possui dentro de si um ser distinto que se chama força? O cão te traz uma perdiz, porém vive nele um ser que se chama instinto? Todos os animais vivem; logo encerram dentro de si um ser, uma forma substancial que é a vida? Se um tulipa puder falar e te disser: a vegetação e eu somos seres que formamos um conjunto, não te enganaria a tulipa?
Vamos ver o que sabes e do que estás seguro: sabes que andas com os pés, que
digeres com o estômago, que sentes em todo o corpo, e que pensas com a cabeça. Vejamos se o único auxilio da razão pode proporcionar bastantes dados para deduzir, sem um apoio sobrenatural, que tens alma. Os primeiros filósofos, tanto caldeus como egípcios, disseram: é indispensável que haja dentro de nós algo que produza pensamentos; esse algo deve ser muito sutil, deve ser um sopro, deve ser um éter, uma quintessência, uma entelequia, um nome, uma harmonia. Segundo o divino Platão, é um composto do mesmo e do outro. «Constituem-no os átomos que pensam em nós», disse Epicuro depois de Demócrito. Porém como um átomo pode pensar? Confessa que não sabes. A opinião mais aceitável é sem dúvida a de que a alma é um ser imaterial, porém indubitavelmente concebem os sábios o que é um ser imaterial? – Não, contestam estes, porém sabemos que por natureza pensa. – E por onde o sabeis? –
Sabemos, porque pensa.– Parece que sois tão ignorantes como Epicuro. É natural que uma pedra caia, porque cai; porém eu pergunto, quem a faz cair? –Sabemos que a pedra não tem alma; sabemos que uma negação e uma afirmação não são divisíveis, porque não são partes da matéria. –Sou de sua opinião; porém a matéria possui qualidades que não são materiais, nem divisíveis, como a gravitação: a gravitação não tem partes, não é, pois, divisível. A força motriz dos corpos tampouco é um ser composto de partes. A vegetação dos corpos orgânicos, sua vida, seu instinto, não constituem seres a parte, seres divisíveis; não podeis dividir em dois a vegetação de uma roupa, a vida de um cavalo, o instinto de um cão, ou mesmo que não podes dividir em duas uma sensação, uma negação ou uma afirmação. O argumento que sacais da indivisibilidade do pensamento não prova nada.
Que idéia tens da alma? Sem revelação, só podes saber que existe em seu interior um poder desconhecido que o faz sentir e pensar. Porém esse poder de sentir e de pensar, é o mesmo poder que o faz digerir e andar? Tens que confessar que não, porque ainda que o entendimento diga ao estômago: digere, o estômago não digerirá se está enfermo e se o ser imaterial manda aos pés que andem, estos não andarão se tem gota. Os gregos compreenderam que o pensamento não tem relação muitas vezes com o jogo dos órgãos, e dotaram os órgãos da alma animal, e os pensamentos de um alma mais fina. Porém a alma do pensamento, em muitas ocasiões, depende da alma animal. A alma pensante ordena às manos que tomem, e tomam, porém não disse ao coração que bata, nem ao sangue que corra, nem ao quilo que se forme, e todos esses atos se realizam sem sua intervenção. Vê-se aqui almas que são muito pouco donas de sua casa. Disto deve deduzir-se que a alma animal não existe, o que consiste no movimento dos órgãos; e ao mesmo tempo há que concordar que ao homem não lhe abastece sua débil razão nenhuma prova de que a outra alma exista.
Vejamos agora os vãos sistemas filosóficos que se tem estabelecido respeito ao
alma. Um deles sustenta que a alma do homem é parte da substância do mesmo
Deus. Outro que é parte do Grande Todo. Há sistema que assegura que a alma está criada para toda a eternidade. Há outro que assegura que a alma foi feita e não criada. Vãos filósofos asseguram que Deus forma as almas à medida que as necessita, e que chegam no instante da copulação: outros afirmam que se alojam no corpo com os ânimos seminais. Filósofo houve que disse que se equivocavam todos os que o haviam precedido, assegurando que a alma espera seis semanas para que esteja formado o feto, e então toma possessão da glândula pineal; porém que se encontra algum gérmen falso, sai do corpo e espera melhor ocasião. A última opinião consiste em dar ao alma por morada o corpo caloso; este é o local que determina Peyronie.
São Tomas em sua questão 75 e seguintes, diz: «que a alma é uma forma que subsiste per se, que está toda em tudo, que sua essência difere de seu poder, que existem três almas vegetativas: a nutritiva, a aumentativa e a generativa; que a memória das coisas espirituais é espiritual, e a memória das corporais corporal; que a alma razoável é uma forma imaterial quanto às operações, e material quanto ao ser» Entendeste algo? Pois São Tomas escreveu duas mil páginas tão claras como esta. Por isto, sem dúvida, o chamam o anjo da escola. Não se tem inventado menos sistemas para o corpo, para explicar como ouvirá sem ter ouvidos, como olhará sem ter nariz e como tocará sem ter mãos; em que corpo se alojará em seguida, de que modo o eu, a identidade da mesma pessoa há de subsistir, como a alma do homem que se tornou imbecil à idade de quinze anos, e morreu imbecil aos setenta, voltará a unir o fio das idéias que teve na idade da puberdade e por que meio um alma, a cujo corpo se cortou uma perna em Europa e perdeu um braço em América, poderá encontrar a perna e o braço, que quiçá se tenham transformado em legumes, ou tenham passado a formar parte integrante da sangue de qualquer outro animal. Não terminaria nunca de detalhar todas as extravagancias que sobre a alma humana se tem publicado.
É singular que as leis do povo predileto de Deus não digam uma só palavra acerca da espiritualidade e da imortalidade da alma, nem fale tampouco disto o Decálogo, nem o Levítico, nem o Deuteronômio. Também é indubitável que em nenhuma parte Moisés proponha aos judeus recompensas e penas em outra vida. Não lhes fala nunca da imortalidade de suas almas, nem lhes disse que esperem ir ao céu, nem lhes ameaça com o inferno. Na lei de Moisés tudo é temporal. No Deuteronomio fala aos judeus deste modo:
«Se depois de haver tido filhos e netos prevaricais, sereis exterminados em sua pátria e ficareis reduzidos a escasso número, que viverá espalhados pelas demais nações.
»Eu sou um Deus zeloso que castigo a iniquidade dos pais até a terceira e até a quarta geração.
»Honra a pai e mãe, com o fim de viver muitos anos.
»Sempre terás o que comer, a comida não os faltará nunca.
»Se obedeceres a deuses estrangeiros, serás destruído.
»Se obedeceres ao verdadeiro Deus, terás chuvas na primavera e no outono trigo, azeite, vinho, feno para os animais, e poderás comer e saciar-te. »Imprimi estas palavras em seus corações, põe ante seus olhos, escreve-as sobre suas portas com a idéia de que seus dias se multipliquem. »Faz o que mando, sem tirar nem acrescentar nada.
»Se aparece um profeta que profetize sucessos prodigiosos, se sua predicação es verdadeira, se o que prevê sucede, se diz: vamos, segui comigo aos Deuses estrangeiros... mata-o em seguida, que se levante todo o povo contra ele para feri-lo.
»Quando o Senhor os entregue as nações, degola sem perdoar a um só homem, não tenhais piedade de ninguém.
»No comais animais impuros, como o são o águia, o grifo e o ixião. »No comais tampouco animais ruminantes e que tenham as unhas fendidas, como o camelo, a lebre, o porco espinho.
»Se observais estos mandatos, sereis abençoados na cidade e nos campos, e serão benditos os frutos de seu ventre, de sua terra e de suas bestas.
»Se não obedeceis todos estes mandamentos nem observais todas as cerimônias,
sereis malditos na cidade e nos campos; sofrerás a pobreza e fome, morrerás de
frio, de febre e de miséria; tereis sarna, fístulas, ... os assaltarão úlceras nos
joelhos e nos músculos.
»O estrangeiro os prestará com usura, porém vocês não lhe prestareis desse
modo, porque vocês quereis servir ao Senhor.., etc., etc. É evidente que em todas estas promessas e ameaças não se trata mais que do temporal, e não se encontra uma só palavra que verse sobre a imortalidade da alma nem sobre a vida futura. Alguns comentaristas ilustres acreditam que Moisés estava inteirado desses dois grandes dogmas, e provam sua opinião apoiando-se não que disse Jacó, o qual acreditando que haviam devorado a seu filho bestas ferozes, exclamou: «Descerei com meu filho ao inferno;» isto é, morrei, já que meu filho está morto. Provam também sua crença citando passagens de Isaías e de Ezequiel; Porém os hebreus a quem falou Moisés, não poderiam ter lido a Isaías nem a Ezequiel, que escreveram muitos séculos depois. É inútil questionar sobre o que secretamente opinava Moisés, já que está comprovado que em suas leis não falou nunca da vida futura, e que limita os castigos e as recompensas ao tempo presente. Se conheceu a vida futura, por que não proclamou este dogma? tal pergunta contestam vários comentaristas, dizendo que o Senhor de Moisés e de todos os homens, reservou-se o direito de explicar em tempo oportuno aos judeus uma doutrina que não estavam em estado de compreender quando viviam no deserto. Se Moisés tivesse anunciado a imortalidade da alma, ter-lhe-ia combatido uma importante escola dos judeus, a dos saduceus, autorizada pelo Estado, que lhes permitia desempenhar os primeiros cargos da nação e nomear grandes pontífices a seus sectários.
Até depois da fundação de Alexandria não se dividiram os judeus em três seitas: a
dos fariseus, dos saduceus e dos essênios. O historiador Flávio Josefo, que era
fariseu, nos refere no livro XIII de suas Antigüidades, que os fariseus acreditavam
na metempsicose; os saduceus acreditavam que a alma perecia com o corpo, e os essênios, que a alma era imortal. Segundo esses, as almas, em forma aérea, descendiam da mais alta região dos ares, para introduzir-se nos corpos, pela violenta atração que exerciam sobre elas; e quando morriam os corpos, as almas que haviam pertencido aos bons, iam a morar mais além, lá do Oceano, em um país onde não se sentia calor nem frio, nem havia vento nem chovia. As almas dos maus iam a morar em um clima perverso. Esta era a teologia dos judeus. O que devia ensinar a todos os homens, condenou a estas três seitas. Sem seu auxilio não tivéssemos chegado nunca a compreender nossa alma, porque os filósofos não tiveram jamais uma idéia determinada dela, e Moisés, único legislador do mundo antigo, que falou com Deus frente a frente, deixou a humanidade imersa na mais profunda ignorância respeito deste ponto. Só depois de mil e setecentos anos teremos a certeza da existência e da imortalidade da alma. Cícero abrigava suas dúvidas. Seu neto e sua neta souberam a verdade pelos primeiros galileus que foram a Roma. Porém antes dessa época, e depois dela, em todo o resto do mundo, donde apóstolos não penetraram, cada qual devia perguntar a sua alma, que és? de donde vens? que fazes? onde vais? És um não sei que, que pensas e sentes, porém ainda que sintas e penses mais de cem milhões de anos, não conseguirás saber mais sem o auxilio de Deus, que te concedeu o entendimento para que te sirva de guia, porém não para penetrar na essência. Assim pensou Locke, e antes que Locke, Gassendi, e antes que Gassendi, muitos sábios; porém hoje os bacharéis sabem o que esses grandes homens ignoravam. Inimigos encarniçados da razão, se tem atrevido a opor a essas verdades reconhecidas pelos sábios, levando sua má-fé e sua imprudência até o extremo de imputar ao autor desta obra a opinião de que cada alma é matéria. Perseguidores da inocência, bem sabeis que temos dito o contrario; e que dirigindo-nos a Epicuro, a Demócrito e a Lucrécio, perguntamos: «Como podeis crer que um átomo pense? confesso-te que não sabeis nada». Logo são uns caluniadores os que me perseguem.
Ninguém sabe o que é o ser que chamamos espírito, ao que vocês mesmos dão um nome material, fazendo-lhe sinônimo de ar. Os primeiros pais da Igreja acreditavam que a alma era corporal. É impossível que nós, que somos seres limitados, saibamos se nossa inteligência é substância ou faculdade; não podemos conhecer a fundo nem o ser extenso nem o ser pensante, ou seja, o mecanismo do pensamento. Apoiados na opinião de Gassendi e de Locke, afirmamos que por nós mesmos não podemos conhecer os segredos do Criador. Sois Deuses que sabeis tudo? Repetimos que só podemos conhecer pela revelação da natureza e o destino da alma; e esta revelação não os basta. Devem ser inimigos da revelação, porque perseguem aos que a crêem e aos que dela o esperam tudo. Referimo-nos à palavra de Deus; e vocês, que fingindo religiosidade, são inimigos de Deus e da razão, que blasfemam uns de outros, tratem a humilde submissão do filósofo, como o lobo trata ao cordeiro nas fábulas de Esopo, e lhe dizem:
«Murmuras-te de mim o ano passado; devo beber teu sangue». Porém a filosofia
não se vinga, se ri desses vãos esforços e ensina tranqüilamente aos homens que
quereis embrutecer, para que sejam iguais a vós.

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