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Frases Eternas

Filósofos & Poetas

domingo, 25 de novembro de 2007

VII
Devo confessar que sempre que examino ao infatigável Aristóteles, ao doutor Angélico e ao divino Platão, tomo por motes estes epítetos que se lhes aplicam.
Parece-me que todos os filósofos se tem ocupado da alma humana, cegos,
charlatães e temerários, que fazem esforços para persuadir-nos de que tem vista
de águia, e vejo que há outros amantes da filosofia, curiosos e loucos, que os acreditam em sua palavra, imaginando, por sugestão, que vêem algo. Não vacilo em colocar na categoria de mestres de erros Descartes e Malebranche. Descartes nos assegura que a alma do homem é uma substância, cuja essência é pensar que pensa sempre, e que se ocupa desde o ventre da mãe de idéias metafísicas e de ações gerais que esquece em seguida. Malebranche está convencido de que todo vemos em Deus. Se encontrou partidários, é porque as fábulas mais atrevidas são as que melhor recebem a débil imaginação do homem. Muitos filósofos tem escrito a novela da alma; Porém um sábio é o único que tem escrito modestamente sua história. Compendiarei essa história segundo a concebo. Compreendo que todo o mundo não estará de acordo com as idéias de Locke: pode ser que Locke tenha razão contra Descartes e Malebranche, e que se equivoque sobre Sorbonne; porém eu falo do ponto de vista da filosofia, não do ponto das revelações da fé.
Só me corresponde pensar humanamente. Os teólogos que decidam respeito do divino: a razão e a fé são de natureza contrária. Em uma palavra, vou a citar um extrato de Locke, a quem eu censuraria se fosse teólogo, porém a quem patrocino como uma hipóteses, como conjetura filosófica humanamente falando. Se trata de saber o que é a alma.
1º a palavra alma é uma dessas palavras que pronunciamos sem entender, só entendemos as coisas quando temos idéia delas, não temos idéia da alma, logo não a compreendemos.
2º Se nos tenha ocorrido chamar alma à faculdade de sentir e pensar, assim como chamamos vida a faculdade de viver e vontade à faculdade de querer. Alguns disseram em seguida isto: –O homem é um composto de matéria e de espírito; a matéria é extensa e divisível, o espírito não é uma coisa nem outra, logo é de natureza distinta. É uma reunião de dois seres que não criados um para o outro e que Deus uniu apesar de sua natureza. Apenas vemos o corpo, e absolutamente não vemos a alma. Esta não tem partes; logo é eterna: tem idéias puras e espirituais, logo não as recebe da matéria: tampouco as recebe de si mesma; logo Deus se as dá, logo ela aporta ao nascer a idéia de Deus e do infinito, e todas as idéias gerais.
Humanamente falando, contesto essas palavras, dizendo que são muito sábios.
Começam concedendo que existe alma, e logo explicam o que deve ser:
pronunciam a palavra matéria e decidem o que a matéria é. Porem eu lhes
explico: não conheceis nem o espírito nem a matéria. Quanto ao espírito, só
concedeis a faculdade de pensar; e enquanto à matéria, compreendeis que esta
não é mais que uma reunião de qualidades, de cores, e de solidez; a essa reunião
chamais matéria, e marcais os limites desta e os da alma antes de estar seguros
da existência de uma e de outra.
Ensinais gravemente que as propriedades da matéria são a extensão e a solidez; e eu os repito modestamente que a matéria tem outras mil propriedades, que nem vocês nem eu conhecemos. Assegurais que a alma é indivisível e eterna, dando por certo o que é questionável. Obrais quase o mesmo que o diretor de um colégio que, não tendo visto um relógio em sua vida, puserem em suas mão de repente um relógio de repetição inglês. Esse diretor, como bom peripatético, fica surpreso ao ver a precisão com que as setas dividem e marcam o tempo, e se assombra quando o botão comprimido pelo dedo faça tocar a hora que a seta marca. O filósofo não duvida um momento que dita máquina tenha um alma que a dirige e que se manifesta por meio dos cordas. Demonstra cientificamente sua opinião, e compara essa máquina com os anjos, que imprimem movimento às esferas celestes, sustentando em classe uma agradável teses sobre a alma dos relógios, um de seus discípulos abre o relógio e não vê mais que as rodas e molas, e mesmo assim, segue sustentando sempre o sistema da alma dos relógios, crendoo demostrado. Eu sou o estudante que abre o relógio, que se chama homem e que em vez de definir com atrevimento o que não compreendemos, trata de examinar por graus o que desejamos conhecer.
Tomemos uma criança desde o momento em que nasce, e sigamos passo a passo
o progresso de seu entendimento. Ensinaram-me que Deus se tomou o trabalho
de criar um alma para que se alojasse no corpo de dita criança quando este
tivesse cerca de seis semanas, e que quando se introduz em seu corpo está
provisão de idéias metafísicas, conhece o espírito, as idéias abstratas e o infinito;
em uma palavra, é sábia. Porém desgraçadamente sai do útero com uma completa
ignorância; passa dezoito meses sem conhecer mais que o peito da nutriz, e
quando chega aos vinte anos, e se pretende que essa alma recorde idéias
científicas que teve quando se uniu a seu corpo, é muitas vezes tão obtusa, que
nem sequer pode conceber nenhuma de aquelas idéias. O mesmo dia que a mãe
pare a citada criança com sua alma, nascem na casa um cão, um gato e um
canário. ao cabo de dezoito meses, o perro é excelente caçador, ao ano o canário
canta muito bem, e o gato ao cabo de seis semanas possui todos os atrativos que
deve possuir e a criança, ao cumprir quatro anos, não sabe nada. Suponho que eu
seja um homem grosseiro, que tenha presenciado tão prodigiosa diferença e que
não tenha visto nunca uma criança; desde logo acredito que o gato, o cão e o
canário, são criaturas muito inteligentes, e que a criança é um autômato. Porém
pouco a pouco vou percebendo que a criança tem idéias, memória e as mesmas
paixões que esses animais, e então compreendo que é uma criatura razoável como
elas. Comunica-me diferentes idéias por meio das palavras que aprendi, como o
cão por seus distintos gritos me faz conhecer suas diversas necessidades. Percebo
que aos sete ou oito anos a criança combina em seu cérebro quase tantas idéias
como o cão de caça no seu, e que por fim, passando os anos consegue adquirir
grande número de conhecimentos Então que devo pensar dele? Que é de uma
natureza completamente diferente. Não posso crer porque vocês vêem um imbecil
ao lado de Newton, e sustentam que um e outro são da mesma natureza, com a
única diferença do mais ao menos. Encontro entre uma criança e um cão muitos
mais pontos de contato que encontro entre o homem de talento e o homem
absolutamente imbecil Que opinião tens, pois, dessa natureza? A que todos os povos tiveram antes que a ciência egípcia trouxesse a idéia de espiritualidade, de imortalidade da alma Até suspeitarei, com aparências de verdade, que Arquimedes e um tolo são da mesma espécie, ainda que de gênero diferente; que a oliveira e o grano de mostarda estão formados pelos mesmos princípios, ainda que aquela seja um árvore grande e esta uma planta pequena. Crerei que Deus concedeu porções de inteligência às porções de matéria organizadas para pensar, que a matéria está dotada de sensações proporcionadas de acordo com a finura de seus sentidos e que estes proporcionam a medida de nossas idéias. Crerei que a ostra tem menos sensações e menos sentido, porque tendo a alma dentro da concha, os cinco sentidos são inúteis para ela. Há muitos animais que só estão dotados de dois sentidos; nós temos cinco, e por certo que são muito poucos. É de crer que em outros mundos existam outros animais que estejam dotados de vinte o de trinta sentidos e outras espécies muito mais perfeitas que tenham muitos mais.
Esta parece a maneira mais lógica de raciocinar, quero dizer, de suspeitar e
adivinhar. Indubitavelmente passou muito tempo antes que os homens fossem
bastante engenhosos para inventar um ser desconhecido que está em nós, que
nos faz obrar, que não é completamente nós, e que vive depois que nós
morremos. Desse modo se chegou por graus a conceber idéia tão atrevida. No
princípio, a palavra alma significou vida, e era comum para nós e para os demais
animais; logo nosso orgulho nos fez suspeitar que a alma só correspondia ao
homem, e então inventamos uma forma substancial para as demais criaturas: o
orgulho humano pergunta em que consiste a faculdade de aperceber-se e de
que se chama alma no homem e instinto no bruto. Elucidarei essa questão quando
os físicos me ensinem o que é a luz, o som, o espaço, o corpo e o tempo. Repetirei
com o sábio Locke: a filosofia consiste em deter-se quando a tocha da física não
nos alumia.
Observo os efeitos da natureza; Porém confesso que, como vocês, tampouco
conheço os primeiros princípios. Tudo se reduz a que não devo atribuir a muitas causas, e muito menos a causas desconhecidas, o que posso atribuir a uma causa conhecida: posso atribuir a meu corpo a faculdade de pensar e de sentir, logo não devo buscar a faculdade de sentir e de pensar no que se chama alma ou espírito, do que não tenho a menor idéia. Os sublevais contra esta proposição, e creéis que é religiosidade atrever -se a dizer que o corpo possa pensar. Porém que contestarias –responderia Locke,– se os dissesse que vocês sois também culpáveis de irreligião, porque se atrevem a limitar o poder de Deus? Quem, sem ser ímpio, pode assegurar que é impossível para Deus dotar à matéria da faculdade de sentir e de pensar? Sois ao mesmo tempo débeis e atrevidos, assegurais que a matéria não pensa, unicamente porque não concebeis que a matéria possa pensar. Grandes filósofos, que decidis sobre o poder de Deus, e ao mesmo tempo concedeis que pode Deus converter uma pedra em um anjo (Mateus, cap III, vers.
9.), não compreendeis que segundo suas mesmas teorias e no citado caso, Deus concederia à pedra a faculdade de pensar? Se a matéria da pedra desaparecera, não seria pedra, seria anjo. De qualquer parte que questioneis, os vereis obrigados a confessar duas coisas, sua ignorância e o poder imenso do Criador: sua ignorância nega que a matéria possa pensar, e a onipotência do Criador nos demonstra que lhe é possível conseguir que a matéria pense. Sabendo que a matéria não perece, não deveis negar a Deus o poder de conservar nessa mesma matéria a melhor das qualidades de que a dotou. A extensão subsiste sem corpo por si mesma, já que há filósofos que acreditam no vazio; os acidentes subsistem independentes da substância para os cristãos que acreditam na substanciação. Dizeis que Deus não pode fazer nada que implique contradição, porém para encontrar esta se necessita saber muito mais do que sabemos; e nesta matéria só sabemos que temos corpo e que pensamos. Alguns que aprenderam na escola a não duvidar, e que tomam por oráculos os silogismos que nelas lhes ensinaram e as superstições que aprenderam por religião, tem a Locke por ímpio perigoso. Devemos fazer-lhes compreender o erro em que incorrem e ensinar-lhes que as opiniões dos filósofos jamais prejudicaram à religião. Está provado que a luz provém do sol, e que os planetas giram ao redor desse astro: por isto não se lê com menos fé na Bíblia que a luz se formou antes do sol, e que o sol parou ante a aldeia de Gabão. Está demostrado que o arco-íris se forma com a chuva e por isso não se deixa de respeitar o texto sagrado, que disse que Deus pôs o arco-íris nas nuvens, depois do dilúvio, como sinal de que já não haveria mais inundações.
Os mistérios da Trindade e da Eucaristia, que contradiz nas demonstrações da razão, não por isso deixam de reverencia-los os filósofos católicos, que sabem que a razão e a fé são de diferente natureza. A idéia dos antípodas foi condenada pelos papas e os concílios; e logo outros papas reconheceram os antípodas, aonde levaram a religião cristã, cuja destruição acreditaram segura no caso de poder encontrar um homem, que, como se dizia então, tivesse a cabeça abaixo e os pies acima, com relação a nós, e que, como disse Santo Agostinho, tivesse caído do céu.

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