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Filósofos & Poetas

domingo, 25 de novembro de 2007

Alma
I
É um termo vago, indeterminado, que expressa um princípio desconhecido, porém de efeitos conhecidos que sentimos em nós mesmos. A palavra alma corresponde à animu dos latinos, à palavra que usam todas as nações para expressar o que não compreendem mais que nós. No sentido próprio e literal do latim e das línguas
que dele derivam, significa “ o que anima”. Por isso se diz: A alma dos homens, dos animais e das plantas, para significar seu princípio de vegetação e de vida. Ao pronunciar esta palavra, só nos dá uma idéia confusa, como quando se diz no Gênesis: «Deus soprou no rosto do homem um sopro de vida, e se converteu em alma vivente, a alma dos animais está no sangue, não mateis, pois, sua alma.» De modo que a alma – em sentido geral– se toma pela origem e causa da vida, pela vida mesma. Por isto as nações antigas acreditaram durante muito tempo que tudo morria ao morrer o corpo. Ainda é difícil desentranhar a verdade no caso das histórias remotas, há probabilidade que os egípcios tenham sido os primeiros que distinguiram a inteligência e a alma, e os gregos aprenderam com eles a distinção.
Os latinos, seguindo o exemplo dos gregos, distinguiram animus e anima; e nós
distinguimos também alma e inteligência. Porém o que constitui o princípio de
nossa vida, constitui o princípio de nossos pensamentos? São duas coisas
diferentes, ou formam um mesmo princípio? O que nos faz digerir, o que nos
produz sensações e nos dá memória, se parece ao que é causa nos animais da
digestão, das sensações e da memória?
Há aqui o eterno objeto das disputas dos homens. Digo eterno objeto, porque
carecendo da noção primitiva que nos guie neste exame, teremos que permanecer
sempre encerrados num labirinto de dúvidas e de conjeturas. Não contamos nem com um só apoio onde firmar o pé para chegar ao vago conhecimento do que nos faz viver e do que nos faz pensar. Para possuí-lo seria preciso ver como a vida e o pensamento entram em um corpo. Sabe um pai como produz a seu filho? Sabe a mãe como o concebe? Pode alguém adivinhar como se agita, como se desperta e como dorme? Sabem alguns como os membros obedecem a sua vontade? Terá descoberto o meio pelo qual as idéias se formam em seu cérebro e saem dele quando o deseja? Débeis autômatos, colocados pela mão invisível que nos governa no cenário do mundo, quem de nós poderia ver o fio que origina nossos movimentos?
Não nos atrevemos a questionar se a alma inteligente é espirito ou matéria; se foi criada antes que nós, se sai do nada quando nascemos; se depois de haver nos animado no mundo, vive, quando nós morremos, na eternidade. Essas questões que parecem sublimes, só são questões de cegos que perguntam a cegos: que é a luz?
Quando tratamos de conhecer os elementos que encerra um pedaço de metal, o
submetemos ao fogo em um crisol. Possuiríamos crisol para submeter a alma? Uns dizem que é espirito; porém, que é espírito? Ninguém sabe, é uma palavra tão vazia de sentido, que nos vemos obrigados a dizer que o espírito não se vê, porque não sabemos dizer o que é. A alma é matéria, dizem outros. Porém, o que é matéria? Só conhecemos algumas de suas aparências e algumas de suas propriedades; e nenhuma destas propriedades e aparências parece ter a menor relação com o pensamento.
Há também quem opine que a alma está formada de algo distinto da matéria. Porém que provas temos disso? Se funda tal opinião em que a matéria é divisível e pode tomar diferentes aspectos, e o pensamento não. porém, quem teria dito que os primeiros princípios da matéria sejam divisíveis e figuráveis? é muito verossímil que não o sejam; seitas inteiras de filósofos sustentam que os elementos da matéria não têm forma nem extensão. O pensamento não é madeira, nem pedra, nem areia, nem metal, logo o pensamento não pode ser matéria. Mas esses são raciocínios débeis e atrevidos. A gravidade não é metal, nem areia, nem pedra, nem madeira; o movimento, a vegetação, a vida, não são nenhuma dessas coisas; e, sem dúvida, a vida, a vegetação, o movimento e a gravitação são qualidades da matéria. Dizer que Deus não pode conseguir que a matéria pense, é dizer o absurdo mais insolente que se tenha proferido na escola da demência. Não estamos certos de que Deus tenha feito isso; porém se que estamos certos de que poderia fazê-lo. Que importa tudo o que se tenha dito e o que se dirá sobre a alma? Que importa que a tenham chamado entelequia, quintessência, chama ou éter; que a tenham tomado por universal, incriada, transmigrante, etc., etc? Que importam em questões inacessíveis à razão, essas novelas criadas por nossas incertas imaginações? Que importa que os pais da Igreja dos quatro primeiros séculos acreditassem que a alma era corporal? Que importa que Tertuliano, contradizendo-se, decidisse que a alma é corporal, figurada e simples ao mesmo tempo? Teremos mil testemunhos de nossa ignorância, porém nem um só oferece vislumbre da verdade.
Como nos atrevemos a afirmar o que é a alma? Sabemos com certeza que existimos, que sentimos e que pensamos. Desejamos ir mais além e caímos em abismo. Submergidos nesse abismo, todavia se apodera de nós a louca temeridade de questionar se a alma, da qual não temos a menor idéia, se criou antes que nós ou ao mesmo tempo que nós, e se perece ou é imortal.
A alma e todos os artigos que são metafísicos, devem ser submetidos
sinceramente aos dogmas da Igreja, porque sem dúvida a revelação vale mais que toda a filosofia. Os sistemas exercitam o espírito, porém a fé o alumia e o guia.Com freqüência pronunciamos palavras sobre as quais temos idéia muito confusa, e algumas vezes ignoramos o significado. Não está neste caso a palavra alma? Quando a lingüeta ou válvula de um fole está estragado e o ar que entra no ventre do fole sai por algumas das aberturas que tem a válvula, e este não está comprimido pelas duas paletas, e não sai com a violência que se necessita para atiçar o fogo, as criadas dizem: – Está descomposta a alma do fole. Não sabem mais, e essa questão não turva sua tranqüilidade.
O jardineiro fala da alma das plantas, e as cultiva bem, sem saber o que significa esta palavra. Em muitas de nossas manufaturas, os operários dão a qualificação de alma a suas máquinas; e nunca discutem sobre o significado de tal palavra; não ocorre isso com os filósofos.
A palavra alma entre nós, em seu significado geral, serve para denotar o que anima. Nossos antepassados os celtas, deram à alma o nome de seel, do que os ingleses formaram a palavra soul, e os alemães a palavra seel, e provavelmente os antigos teutões e os antigos bretões não disputariam sobre essa palavra.
Os gregos distinguiam três classes de alma: a alma sensitiva ou a alma dos
sentidos (vê-se aqui porque o Amor, filho de Afrodite, sentiu tão veemente paixão
por Psiquê, e porque Psiquê o amou ternamente): o sopro que dá vida e
movimento a toda máquina, e que nós traduzimos por espírito; e a terceira classe
da alma que, como nós, chamaram inteligência. Possuímos pois, três almas, sem
ter a mais ligeira noção de nenhuma delas. São Tomás de Aquino admite estas
três almas, como bom peripatético, e distingue cada uma delas em três partes:
uma está no peito, outra em todo o corpo e a terceira na cabeça. Em nossas
escolas não se conheceu outra filosofia até o século 18. E desgraçado o homem
que tomasse uma dessas almas por outra!
Há, sem dúvida, motivo para este caos de idéias. Os homens entendiam que
quando os excitavam as paixões do amor, da cólera o do medo, sentiam certos movimentos nas entranhas. O fígado e o coração foram assinalados como sendo o local das paixões. Quando se medita profundamente, sentimos certa opressão nos órgãos da cabeça, logo a alma intelectual está no cérebro. Sem respirar não é possível a vegetação e a vida; logo, a alma vegetativa está no peito, que recebe o sopro do ar.
Quando os homens viram em sonhos seus pais e amigos mortos, dedicaram-se a estudar o que lhes havia aparecido. Não era corpo, porque o havia consumido uma fogueira, o mar o tinha tragado e havia servido de pasto aos peixes. Isso, não obstante, sustinha que algo lhes havia aparecido, posto que o tinham visto; o morto havia lhes falado e o que estava sonhando lhes dirigia perguntas. Com quem haviam conversado dormindo? Se imaginaram que era um fantasma, uma figura aérea, uma sombra, os manes, uma pequena alma do ar e fogo extremadamente delicada, que vagava por não sei onde.
Andando o tempo, quando quiseram aprofundar este estudo, convencionaram que
tal alma era corporal, e esta foi a idéia que dela teve a antigüidade. Chegou depois
Platão, que utilizou essa alma de tal maneira que se chegou a suspeitar que a
separou quase completamente da matéria; porém esse problema não se resolveu
até que a fé veio iluminar-nos.
Em vão os materialistas alegam que alguns pais da Igreja não se expressaram
com exatidão. Santo Irineu diz que e alma é o sopro da vida, que só é incorporal
se comparada ao corpo dos mortais, porém que conserva a figura de homem para
que se a reconheça.
Tertuliano se expressa deste modo: «A corporalidade da alma ressalta no
Evangelho; porque se a alma não tivesse corpo, a imagem da alma não teria
imagem corpórea». Em vão esse mesmo filósofo refere à visão de uma mulher
santa que viu um alma muito brilhante e da cor do ar.
Alegam que Santo Hilário disse, em tempos posteriores: «Não há nada que não seja corporal, nem no céu nem na terra, nem no visível ou invisível; tudo está formado de elementos, e as almas têm sempre uma substância corporal.
Santo Ambrósio, no século 6, disse: «Não conhecemos nada que não seja
material, excetuando-se a Santa Trindade.»
A Igreja decidiu, por unanimidade, que a alma é imaterial. Os citados santos incorreram em um erro que era então universal: eram homens, porém não se equivocaram a respeito à imortalidade, porque os Evangelhos evidentemente a anunciam.
Precisamos nos conformar com a decisão da Igreja, porque não possuímos noção suficiente do que se chama espírito puro e do que se chama matéria. O espírito puro é uma palavra que não nos transmite nenhuma idéia; e só conhecemos matéria por alguns de seus fenômenos. a conhecemos tão pouco, que a chamamos substância, e a palavra substância quer dizer o que está embaixo; porém este embaixo está oculto eternamente para nós; é o segredo do Criador em todas partes. Não sabemos como recebemos a vida, nem como a damos, nem como crescemos nem como digerimos, nem como dormimos, nem como pensamos, nem como sentimos.

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