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Filósofos & Poetas

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Das qualidades da elocução

CAPÍTULO XXII
Das qualidades da elocução
A qualidade principal da elocução poética consiste na clareza, mas sem trivialidades.
2. Obtém-se a clareza máxima pelo emprego das palavras da linguagem corrente, mas à custa da
elevação. Exemplo deste último estilo é a poesia de Cleofonte e de Esténelo.
3. A elocução mantém-se nobre e evita a vulgaridade, usando vocábulos peregrinos (chamo peregrinos os
termos dialetais), a metáfora, os alongamentos, em suma tudo o que se afasta da linguagem corrente.
4. Se, porém, o estilo comportar apenas palavras deste gênero, torna-se enigmático ou bárbaro;
enigmático, pelo abuso de metáforas; bárbaro, pelo uso de termos dialetais.
5. Uma forma de enigma consiste em exprimir uma coisa qualquer numa seqüência de termos absurdos.
Isso não é possível de atingir reunindo os vocábulos por eles mesmos, mas só através da metáfora, por
exemplo: "vi um homem que, com fogo, colava bronze noutro homem" e outras expressões semelhantes.
6. O uso de termos dialetais faz da língua algo estranho, porém ainda inteligível. Importa, pois, praticar
de algum modo a mistura de termos.
A vulgaridade e a trivialidade serão evitadas por meio do termo dialetal, da metáfora, do vocábulo
ornamental e das demais formas anteriormente indicadas; mas o termo próprio é o que dá clareza ao
discurso.
8. O meio de contribuir em larga escala para a clareza, evitando a vulgaridade, são os alongamentos, as
apócopes e as modificações introduzidas nas palavras; pelo fato de mudar a fisionomia dos termos
correntes e de sair da rotina, evita-se a banalidade, mas a clareza subsistirá na medida em que as palavras
participarem dessa rotina.
9. Por isso, os que censuram este gênero de estilo e põem o poeta em ridículo, são criticados sem razão.
Assim, Euclides, o Antigo, pretendia ser fácil escrever em verso, desde que fosse permitido alongar as
sílabas à vontade, e à maneira de paródia citava este verso em estilo vulgar:
Quando vi Ares marchando para Maratona
[ bazein é um termo da linguagem em prosa, no qual ba (breve) alonga-se em ba (longa) ] e este outro:
Ele que não teria gostado do seu heléboro
10. Claro que, se o poeta utiliza este processo, cai no ridículo, pois é necessário conservar o meio termo
em todas as partes da elocução.
11. De fato, servir-se com exagero de metáforas, de termos dialetais, de formas análogas, é o mesmo que
provocar o riso de propósito.
12. Quão diferente é o emprego moderado dos dois termos, pode se verificar nos versos épicos,
introduzindo no metro vocábulos da prosa.
13. Se, em vez destes vocábulos estranhos, das metáforas e de outras figuras de palavras, usarmos
palavras correntes, ver-se-á que dizemos a verdade. Por exemplo, num verso iâmbico composto por
Ésquilo, Eurípides não fez mais do que mudar uma só palavra (ou seja, no lugar do termo usual,
empregou uma glosa); foi o bastante para que um dos dois versos parecesse belo, e o outro vulgar. Com
efeito, Ésquilo no Filocteto escrevera:
A úlcera que come as carnes de seu pé,
e Eurípedes substituiu o verbo "come" pelo verbo "banqueteia-se".
Se no verso:
Agora ele é pouco considerável, impotente e sem vigor,
alguém quisesse empregar os termos próprios, teríamos:
E agora ele é pequeno, fraco e disforme.
Ou:
Depois de ter trazido um miserável assento e uma simples mesa,
seria possível escrever:
Depois de ter trazido uma cadeira reles e uma pequena mesa;
e, em lugar da expressão: "a praia muge", teríamos "a praia emite um grito". Arífrades(63), em suas
comédias, zombava dos autores de tragédias, por utilizarem termos que ninguém emprega na
conversação, dizendo, por exemplo, "das casas longe", em lugar de "longe das casas", e seqen e egv de
nin e "de Aquiles a respeito" em vez de "a respeito de Aquiles", e expressões idênticas.
15. Estas maneiras de se exprimir, justamente por não serem habituais, comunicam à elocução aspecto
isento de vulgaridade. Mas Arífrades não dava por isso.
16. É importante saber empregar a propósito cada uma das expressões por nós assinaladas, nomes duplos
e glosas; maior todavia é a importância do estilo metafórico.
17. Isto só, e qual não é possível tomar de outrem, constitui a característica dum rico engenho, pois
descobrir metáforas apropriadas equivale a ser capaz de perceber as relações.
18. Entre os nomes, os duplos convêm sobretudo aos ditirambos, as glosas, a poesia heróica, as
metáforas, os versos iâmbicos.
19. Na poesia heróica devem empregar-se todas as expressões indicadas; nos versos iâmbicos, como
neles principalmente se procura a imitação da linguagem corrente, convêm os nomes de que nos
servimos geralmente na conversação, isto é, o nome usual, a metáfora e o vocábulo ornamental.
20. Deve bastar quanto dissemos sobre a tragédia e imitação por meio da arte dramática.

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